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“SE CORTAREM O FINANCIAMENTO, NÃO TEREMOS COMO TRABALHAR. QUEM VAI NOS DAR APOIO?"

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Impacto do corte de financiamento da USAID na agricultura, em Cabo Delgado

Desde 2022, o projecto “Resiliência Comunitária e Empoderamento Socioeconómico de Jovens” tem sido um pilar essencial para milhares de famílias na província de Cabo Delgado. 

O projecto tem entre outros objectivos aumentar a segurança alimentar, produtividade e renda de 7.500 jovens, dos quais 60% deslocados e 40% das comunidades acolhedoras, através do uso de agricultura irrigada; criar oportunidades de emprego e autoemprego para 8.000 famílias com insumos agrícolas e assistência técnica para enfrentar crises ambientais e socioeconómicas.

Esta iniciativa trouxe muitas melhorias na segurança alimentar e geração de renda. No entanto, o recente corte de financiamento dos Estados Unidos, através da USAID, ameaça desfazer os avanços conquistados, o que deixa as comunidades vulneráveis à incerteza e à insegurança alimentar.

Até ao momento a iniciativa apoiou 3.780 jovens com sementes, ferramentas e técnicas agrícolas modernas. Esse apoio, aumentou a produção de alimentos e melhorou a segurança alimentar das famílias.

Jozefina Xavier é uma das beneficiárias e vive na comunidade de Unidade, no distrito de Montepuez, província de Cabo Delgado. Cultivar a terra é sua paixão, mas também a base de sua subsistência. Todos os dias investe toda a sua energia na produção de hortícolas.

“Venho os todos os dias, no período manhã a machamba. Chego às 05h00 e saio no início da tarde. Gosto muito de trabalhar aqui, de ver as plantas crescerem. Gosto também do apoio dos técnicos agrícolas, que de forma incansável nos capacitam”, confessou.

Jozefina lamenta o facto de não poder contar com o apoio dos técnicos afectos ao projecto, para aumentar a sua produção e produtividade, tudo devido ao corte da ajuda externa dos Estados Unidos.

“Tem sementes que recebemos com os técnicos e que não conseguimos localmente. Se a ajuda externa parar, teremos muitos desafios”, suspirou.

Com o dinheiro arrecadado da venda de hortícolas no mercado local, consegue suprir algumas necessidades básicas.

“Ganho algum dinheiro com a venda das hortícolas, com a metade do valor compro coisas para casa e outra parte sementes para a machamba”, elucidou.

Tal como Jozefina, outros agricultores espalhados pelos distritos abrangidos pelo projecto, tembém poderão ressentir-se do corte do financiamento. Alfaia Morroma, do distrito de Montepuez, explicou que o apoio recebido pelo projecto fez uma grande diferença na sua vida.

“O projecto ensinou-nos sobre o compasso e sementeira em linha, apoiou-nos com sementes de hortícolas e deu-nos bombas. Quando o projecto parar, será complicado, apesar de já termos aprendido um pouco. É dificil arranjar sementes, precisamos de assistência, apoio em treinamento e sementes. Na nossa associação, por exemplo, partiu-se uma bomba e, sem o projecto, vai ser muito complicado reparar”, disse.

Além das dificuldades com insumos agrícolas, os beneficiários sublinham que o acesso a treinamentos e assistência técnica será severamente afectado. 

Marciana Ângela, agricultora, do distrito de Montepuez, também expressou a sua preocupação com o futuro. 

“Aqui produzo cebola, repolho, pimenta e alface. Uma coisa é certa - não vamos deixar de lutar para sobreviver. Antes do projecto, estávamos aqui, mas se parar, vamos ficar parados também”, desabafou.

Para Magacela Luís, do distrito de Metuge, o impacto do corte de financiamento será profundo e sentirá os efeitos no dia-a-dia. 

“Ajudaram-nos com motobombas manuais e semeamos cebola, alface, pimenta e repolho. Isso ajuda na compra de material escolar e nas despesas de casa. O corte terá impactos nas nossas vidas, teremos dias difíceis, não vamos ter técnicos e, isso vai trazer muita tristeza porque nos levará para trás”, concluiu.

A incerteza sobre o futuro é partilhada por Hortência Salvador, da comunidade de Impire, distrito de Metuge, que vê o corte como um duro golpe para as comunidades locais. 

“Se cortarem o financiamento, não temos como trabalhar. Quem vai nos dar apoio? Onde vamos recorrer? Como vamos trabalhar?", questionou.

Líderes comunitários também lamentam a decisão e pedem soluções para manter as iniciativas em curso. Camale Machira, líder da comunidade de Impire, posto administrativo de Mieze, no distrito de Metuge expressa a sua frustração.

“Gostaria que o projecto procurasse parceiros para nos apoiar. Lamento muito por esta situação. Este projecto ajudou-nos com motobombas, técnicas e ferramentas de cultivo”, referiu.

Para Joana Pedro, o fim do financiamento significa uma luta ainda maior pela sobrevivência.

“Este problema vai complicar a nossa situação. Já nos habituamos e agora teremos dificuldades para garantir comida em casa”, anotou.

O projecto já beneficiou muitos jovens com ferramentas, formações, técnicas e apoio na produção agrícola. Sem financiamento, muitos desses avanços podem ser revertidos, o que deixará muitas famílias sem acesso a recursos básicos para continuar a sua produção e sustento.

Importa salientar que o projecto “Resiliência Comunitária e Empoderamento Socioeconómico de Jovens na Província de Cabo Delgado” pretende melhorar as taxas de emprego, segurança alimentar, renda, conhecimento e resiliência para resistir a futuros choques naturais e causados pelo homem.