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“AS MENINAS DEVEM ESTUDAR E NÃO CASAR CEDO” - ANITA JUSTINO, BENEFICIÁRIA DO PROJECTO “TODA A RAPARIGA É CAPAZ” NA LOCALIDADE MAMUAROMUTALA EM MURRUPULA

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Em Moçambique, as raparigas enfrentam uma série de desafios que afectam a sua educação e o seu empoderamento económico. Os desafios são particularmente mais acentuados na província de Nampula, que, devido aos hábitos culturais e características socioeconómicas, reflecte muitos dos problemas enfrentados por mulheres e raparigas em todo o país.

As uniões prematuras e as gravidezes na adolescência também são problemas graves que afectam a continuidade da educação para muitas raparigas. Estudos mostram que raparigas que casam jovens ou engravidam, têm menos chances de concluir a escolaridade e, consequentemente, enfrentam maiores dificuldades para acessar oportunidades de emprego e crescimento pessoal.

Nas comunidades como Mamuaromutala, no distrito de Murrupula, província de Nampula, ainda existem pais que negam às suas filhas o direito à escola, preferindo casá-las cedo, muitas vezes em troca de bens materiais. Este cenário perpetua ciclos de pobreza, exclusão e desigualdade de género.

É neste contexto que o projecto “Toda a Rapariga é Capaz” (EGC), financiado pela Global Affairs Canadá e implementado num consórcio entre Visão Mundial Moçambique, Associação ActionAid Moçambique (AAMoz) e Rede HOPEM está a fazer diferença. Em Murrupula, o projecto criou diversos espaços seguros — onde raparigas dos 10 aos 24 anos reúnem-se regularmente para aprender sobre os seus direitos, discutir temas sensíveis como violência baseada no género (VBG), saúde sexual e reprodutiva, e adquirir habilidades práticas como corte e costura e gestão financeira através de grupos de poupança e crédito rotativo (PCR). Além disso, o projecto oferece bolsas de estudo para o ensino técnico profissional e apoio directo para que as raparigas permaneçam na escola e tenham um futuro mais promissor.

Com mais de 40 espaços seguros criados nos distritos de Nacarôa e Murrupula, o projecto visa alcançar cerca de 25.000 raparigas. Em Mamuaromutala, um desses espaços acolhe dois grupos distintos: raparigas dos 15 aos 17 anos e dos 18 aos 24. Esta divisão etária permite abordar os temas de forma mais ajustada às experiências e necessidades de cada faixa, o que torna as sessões mais eficazes e transformadoras. Foi num desses encontros, num dia reservado para falar sobre VBG e Código de Conduta, que conhecemos, Anita Justino, uma rapariga de 15 anos que representa a força que o projecto procura cultivar.


Aluna da 9ª classe e residente na localidade de Cazuzo, Anita participa activamente no espaço seguro de Mamuaromutala. Conta que as lições tem sido importantes na sua vida.

“Aprendi que se alguém quiser forçar-me a casar, eu devo fugir e denunciar. As meninas devem estudar e não casar cedo”, afirmou com convicção.

Nas sessões que frequenta, aprendeu a identificar situações de violência, conhecer os seus direitos e fortalecer a sua autoconfiança.

“Aqui, falamos de género, violência, e também aprendemos canções que nos ensinam a valorizar a escola. Isso ajuda-me a saber como me defender”, partilha.

A realidade que Anita descreve é dura. No seu bairro muitas raparigas da sua idade já tem filhos e muitas delas não estão a estudar.

“Algumas meninas aqui não querem ir à escola. Vem um homem com promessas e elas aceitam. Comigo também vieram alguns, mas eu neguei. Eu sei que quero estudar”, conta, com um olhar firme e determinado.

Anita lembra, com tristeza, de uma amiga próxima que abandonou a escola para casar.  “Sempre falava com ela para voltar a estudar, mas ela dizia que não queria. Hoje, ela pede minha ajuda”.

Segundo Anita, os seus pais são preponderantes na sua vida porque sempre incentivaram a seguir os estudos.

“Tenho orgulho de mim mesma e dos meus pais pelos ensinamentos e cuidados. Eles sempre me dizem que devo ser alguém na vida”, explica. Com o apoio da família e as ferramentas que aprendeu no espaço seguro, Anita sente-se forte para resistir à pressão social e perseguir os seus sonhos.

Anita sonha em ser enfermeira. Mais do que uma simples ambição profissional, o desejo nasce da dor que sente ao ver o sofrimento de outras pessoas nas filas dos hospitais.

“Nos hospitais, demoram muito a atender os doentes. Se eu fosse médica, ia ajudar aqueles que ficam longas horas nas filas. Eu choro quando vejo esse tipo de cenário”, revela emocionada.

Assim como Anita existem muitas raparigas que emergem dos espaços seguros criados pelo projecto “Toda a Rapariga é Capaz”. Estes exemplos, demonstram como a educação e a informação podem salvar vidas e moldar futuros.