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A ESPERANÇA DE CLEITON EM MECONTA - “Quando crescer, quero ser piloto. É algo diferente. Muitos dos meus amigos querem ser professores ou polícias, mas eu quero voar”.

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"No espaço, participo com outras crianças. Aprendemos sobre os direitos e deveres da criança, higiene pessoal, tipos de violência, sobre como proteger-nos de abusos e como cuidar da saúde".

Ao amanhecer em Meconta Sede, na província de Nampula, Cleiton Intato, de 13 anos, já está de pé. Antes de ir para a Escola Básica 12 de Outubro, onde frequenta a 8ª classe Cleiton cumpre com dedicação os deveres de casa. 

“Ajudo a tirar água do poço, limpo a casa de banho e rego as plantas. Ajudar em casa é importante, mesmo que às vezes fique cansado”, conta, com um sorriso tímido, mas firme. 

A rotina de Cleiton foi violentamente interrompida em Março de 2025, quando o ciclone tropical Jude atingiu Nampula com ventos fortes e chuvas intensas. 

“Muitas casas desabaram na minha zona. Na minha casa caiu a cozinha, mas na casa dos meus amigos tudo desabou”, lembrou. 

O ciclone afectou mais de 1 milhão de pessoas, das quais 94% em Nampula, segundo o Instituto Nacional de Gestão de Desastres (INGD). Casas desabaram, telhados foram levados e muitas famílias ficaram sem onde dormir. A dor era visível nos olhos de adultos e crianças.

A escola de Cleiton também não escapou à fúria do ciclone. O edifício da Escola Básica 12 de Outubro teve parte do telhado arrancado e salas de aula danificadas.

“Ficamos sem aulas por um tempo. Muitos colegas não voltaram logo porque perderam o material escolar ou estavam a ajudar os pais em casa”, relatou. 

No total, 526 escolas e 1.585 salas de aula foram danificadas em Nampula, tendo afectado cerca de 164 mil estudantes.

Mas no meio do caos, surgiu uma luz. Cleiton começou a frequentar o Espaço Amigo da Criança estabelecido pela Associação ActionAid Moçambique (AAMoz) com apoio do Fundo das Nações Unidas para Infância – UNICEF na sua comunidade.

No Espaço Amigo da Criança de Meconta Sede, as crianças encontram diariamente um ambiente seguro onde podem brincar, aprender e, acima de tudo, recuperar emocionalmente dos impactos do ciclone. 

As actividades incluem sessões de apoio psicossocial, jogos educativos, rodas de conversa sobre higiene, prevenção de violência, direitos da criança e convivência saudável. Além disso, há momentos específicos para expressão artística, canto e dança, que ajudam a aliviar o stress e fortalecer o vínculo entre os participantes. Tudo é orientado por animadores locais capacitados, que seguem um plano temático dividido por faixas etárias. A iniciativa conta com três grupos etários: 4 a 9 anos, 10 a 12 e 13 a 18, cada um com actividades específicas.

“No espaço, participo com outras crianças. Aprendemos sobre os direitos e deveres da criança, higiene pessoal, tipos de violência, sobre como proteger-nos de abusos e como cuidar da saúde. Aprendi que tenho direito à educação, a brincar e a ser protegido. Fazemos jogos, aprendemos coisas importantes e temos momentos de alegria”, frisou.

Com olhos brilhantes, revela o seu sonho: “Quando crescer, quero ser piloto. É algo diferente. Muitos dos meus amigos querem ser professores ou polícias, mas eu quero voar”.

Lemos Luciano, pai de Cleiton, explicou que tem notado uma transformação clara no comportamento do filho. 

“Antes ele brincava muito com os amigos da comunidade e surgiam muitos problemas. Desde que começou a frequentar o espaço, mudou. Agora sabe o que é certo e errado, respeita mais os outros. Quero parabenizar o projecto. Está a fazer bem às nossas crianças”, afirmou.

Outras crianças também mostraram-se felizes e alegres com o espaço criado pela AAMoz.

René Osvaldo diz que “joga voleibol, salta a corda e aprende sobre os tipos de violência e higiene”. 

Messias João comentou que “aprende a ler, desenhar e dançar. Gosto de jogos educativos e as histórias em grupo. Gosto de estar aqui”, desabafou.

Márcio Armando, Gestor de Casos, explica que o projecto “Protecção à Criança” segue um plano bem estruturado. 

“Temos temas adaptados para cada faixa etária. Falamos de direitos, higiene, prevenção de abusos, e até questões como violência e uniões prematuras, que são muito sérias aqui. O trabalho é feito por animadores locais, com equilíbrio de género e foco na inclusão de crianças com deficiência”, explicou, tendo manifestado o desejo de ver o projecto continuar por muito mais tempo devido ao impacto que está a trazer na comunidade.

Os efeitos do ciclone Jude agravaram uma situação já frágil. Antes deste fenómeno, as províncias de Nampula e Zambézia já haviam sido atingidas pelos ciclones Chido e Dikeledi, que afectaram mais de 684 mil pessoas. A crise causou interrupções na educação, aumento do risco de uniões prematuras e violência baseada no género. A perda de documentos civis também impede o acesso a serviços essenciais.

Refira-se que o Projecto “Protecção à Criança” é implementado nos distritos de Meconta, Ilha de Moçambique e Nacala-Porto, na  província de Nampula com fundos do UNICEF.