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“O meu sonho é chegar ao topo — ser a chefe da chefe. Formei-me em electricidade, que não é uma área muito comum para mulheres, mas posso trabalhar quando quiser. Isso é o que mais me motiva”.

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“A coisa mais fácil que aprendi foi ligar a tomada. A mais difícil foi a manutenção. Não foi fácil — quase desisti. Mas consegui”.

Desde 2017, a província de Cabo Delgado tem sido palco de uma violenta insurgência armada que devastou comunidades inteiras, tendo provocado milhares de mortes e o deslocamento forçado de mais de um milhão de pessoas. 

A crise humanitária resultante tem afectado de forma particular as mulheres e raparigas, que enfrentam múltiplas vulnerabilidades — desde a perda de familiares e meios de subsistência até ao risco acrescido de violência baseada no género. 

Muitas jovens deslocaram-se para províncias vizinhas, como Nampula, em busca de segurança e novas oportunidades para reconstruir as suas vidas. Nesses locais, enfrentam o desafio de recomeçar do zero, muitas vezes sem recursos, mas com determinação e esperança de recuperar a dignidade e garantir um futuro melhor para si e para as suas famílias.

Para responder a este desafio, a Associação ActionAid Moçambique (AAMoz) apoia mulheres deslocadas a aceder a formações técnico-profissionais em Nacala e Nampula. Através da parceria com o Instituto de Formação Profissional e Estudos Laborais Alberto Cassimo (IFPELAC) e do apoio técnico de oficinas mecânicas e empresas públicas e privadas, mulheres têm sido formadas em electricidade, canalização, mecânica, serralharia e outras profissões.

Mariamo Casbel, tem 17 anos, vive no bairro Mathapue, arredores do município de Nacala, província de Nampula e é uma das beneficiárias desta iniciativa. Em 2023, ingressou no curso de electricidade no IFPELAC, depois de ouvir falar da oportunidade através de um amigo da sua mãe.

“A minha mãe queria que eu aprendesse processamento alimentar, mas eu preferi electricidade. Vi mulheres a trabalhar nessa área e gostei. Apaixonei-me pela profissão. Queria que as pessoas dissessem: Ah, aquela é a Mariamo, a electricista — ela é boa!”.

Antes da formação, Mariamo confessa que tinha medo até de ligar um aparelho à tomada. Mas com dedicação e apoio das colegas e instrutores, venceu o medo e concluiu o curso com sucesso.

“A coisa mais fácil que aprendi foi ligar a tomada. A mais difícil foi a manutenção. Não foi fácil — quase desisti. Mas consegui”.

Durante o curso, Mariamo e as colegas enfrentaram desafios próprios de uma profissão tradicionalmente masculina. Apesar das dúvidas e comentários desmotivadores, mantiveram-se firmes.

“O instrutor dizia: isto é electricidade, se caírem de um poste, quem vos vai substituir? — mas não desistimos. Acho que diziam isso para nos fazer desistir, mas nós resistimos”.

Ao concluir o curso, Mariamo começou a trabalhar em pequenas instalações eléctricas com o apoio do primo, também electricista, e passou a contribuir para o sustento da família.

“Não tenho emprego fixo, mas há sempre pequenos trabalhos. O meu primo leva-me com ele e dá-me tarefas. Com o dinheiro que ganho, ajudo a minha mãe e compro as minhas coisas”.

Mariamo tornou-se inspiração para outras raparigas da sua comunidade. A sua história mostra como o acesso à formação profissional pode transformar a vida de uma rapariga — de alguém com medo de ligar uma tomada, para uma electricista confiante e economicamente independente.

“Depois de me formar, sinto que sou uma pessoa forte, que não aceita ser comparada com um homem. Sinto-me muito motivada e confiante”.

O seu sucesso tem motivado outros pais a manterem as filhas na escola e inspirado raparigas da comunidade a seguirem carreiras técnicas.

“Uma jovem disse-me que não podia trabalhar, mas quando me viu, ganhou motivação. A mensagem que deixo a outras raparigas é: estudem, porque é maravilhoso ter o seu próprio trabalho e ganhar o seu próprio dinheiro com o seu esforço”.

O sonho de Mariamo não termina aqui. Ela deseja continuar os estudos, especializando-se em electricidade industrial, e alcançar posições de liderança.

 

“O meu sonho é chegar ao topo — ser a chefe da chefe. Formei-me em electricidade, que não é uma área muito comum para mulheres, mas posso trabalhar quando quiser. Isso é o que mais me motiva”.